São tempos difíceis, pois a cada dia que ligamos a TV, abrimos os sites ou redes sociais, observamos que as histórias de sofrimento e tristeza envolvendo a infecção pelo coronavírus crescem junto com o crescimento da famosa “curva de contágio”...
Mas por trás de cada número que contribui para o aumento dessa curva temos histórias de pais, mães, filhos, filhas, tios, primos, amigos, enfim histórias de dores físicas, emocionais, mas também de superação.
Mas aí um dia você e quem você ama também se tornam números em todo esse caos... Vem a tosse, a febre, o mal estar, a falta de ar, as dores no corpo, as incertezas e medos de complicar por ser grupo de risco e por ver que não apenas você, mas quem ama também está doente...
O passar dos dias te mostra que tudo isso é uma grande incógnita, que você que era grupo de risco começa a se recuperar, mas que quem está ao seu lado entra em um processo inverso, piorando dia após dia.
Até que em questão de minutos tudo aquilo que todos os dias vemos na televisão acontece e em meia hora alguém que estava relativamente bem já não consegue minimamente respirar adequadamente...
Corre, faz tomografia, e a pior notícia de um quadro grave de uma doença que é um “buraco negro” de desconhecimento chega de tal modo que parece que tira seu chão... Pneumonia grave, lesões causadas pela COVID, UTI... Aí você sente literalmente um “gosto amargo” da incerteza, do medo e a sensação de que a dor que tantas famílias passavam lá na Itália e na Espanha, bem distante de você, também poderia ser uma dor também sua...
Nisso tudo, você ainda está doente, também com uma pneumonia, mas bem mais leve, mas que poderia também se agravar a qualquer momento... Mas você precisa ter energia pra cuidar de quem ama... Nesse momento paciente e cuidador se misturam e isso é confuso...
Ninguém pode ir te ajudar isso é colocar qualquer pessoa em risco... Aí você se surpreende com a rede em torno de você... Família, amigos, desconhecidos, não teve o toque, mas o colo teve por 24 horas e incessantemente...
Então você precisa ficar isolado em casa e quem ama isolado em uma UTI, piorando a cada dia...
Aí você é obrigado a aprender a viver um dia de cada vez... Um dia de cada vez na espera que o boletim médico do dia seguinte seja melhor, um dia de cada vez cuidando de você mesma, atenta aos sinais e sintomas, um dia de cada vez para que depois de tanto tentar consiga ver quem ama cinco dias depois por uma chamada de vídeo...
Foram dias difíceis e você continua aprendendo a viver um dia de cada vez, pois mesmo mais de um mês depois você ainda vê quem ama com tosse, febre, fraqueza, mas aprende que deve esperar a mínima melhora que pode vir no outro dia e a entender que o pior passou... E quando tudo vai passar? Quando a saúde vai voltar por completo? Ninguém sabe, é tudo muito novo...
Mas, por aqui, ficamos com o hoje, 39º dia de doença (data do envio desse relato), mas que foi um dia com poucos sintomas e com bem-estar e continuamos assim, um dia de cada vez, porque tudo passa e isso também vai passar...
Bem, falar na terceira pessoa me ajuda descrever um pouco disso tudo...
A foto do pôr do sol é daqui da minha casa, é o horário que meu esposo mais gosta e essa foto foi tirada por ele ontem... Durante os dez dias que fiquei isolada e ele distante não tive vontade de olhar pela janela nenhum dia, mas é isso, um dia de cada vez até que tudo volte a ter cor, inclusive o sol...
(Texto enviado pela docente Magna Andrade em 18 de maio de 2020)
Que emocionante minha amiga...pensar em tudo que você viveu é dolorido demais. Agora é agradecer a recuperação e viver cada dia lindo que Deus tem reservado pra vocês.
Obrigada querida Magna por compartilhar com tanta sensibilidade a sua experiência com a COVID-19. O adoecimento mostra as nossas fragilidades e dependência do outro, o quanto necessitamos de apoio e de atenção. Muita força e luz. No seu depoimento, vejo como os profissionais de saúde são fundamentais neste processo, ao contribuir para além do cuidado biológico. Imagino que era fundamental receber o boletim médico diário do seu esposo, mas no dia que você conseguiu revê-lo por meio de uma chamada de vídeo muito mais pôde ser dito e compreendido sobre a situação dele. Assim, fica para mim uma reflexão enquanto enfermeira sobre o que poderíamos fazer a mais para de fato cuidar de pessoas e aproximar as vidas que cuidamo…